VALOR JUSTO CONTÁBIL E A AVALIAÇÃO DE EMPRESAS
Desde os tempos mais remotos, as
pessoas fazem negócios. Como nenhum homem é uma ilha[1],
os humanos sempre precisaram dos seus semelhantes para obter todos os bens dos
quais necessitam para sobreviver. Ao precisarem desses bens era natural que os
homens fizessem trocas entre si. Pois, muitas vezes, o excedente que o homem
obtinha de uma determinada atividade, a caça, v.g, precisava ser transacionado
com os outros membros da comunidade que detinham excedentes de outras coisas. É
intuitivo que os homens, desde os primeiros tempos, busquem uma alocação
eficiente dos recursos à sua disposição.
Ocorre que a noção de valor depende da ótica de quem o atribui. Tomemos por exemplo, uma garrafa de água mineral e uma Ferrari. Em Manhattan, p. ex, você precisará certamente ser dono de alguns milhares de garrafas de água para poder, com o mesmo valor atribuído a ambas as coisas, comprar uma Ferrari. Já, no Deserto do Saara, e diante de um rico viajante perdido no deserto há dois dias você certamente conseguirá trocar uma única garrafa de água pela máquina italiana e talvez ainda receba até alguma coisa a mais por isso.
Para tanto, temos que obedecer às
normas contábeis em vigor a fim de responder a essa pergunta.
I- Valor de Mercado
O International
Valuation Standarts Council define o valor de mercado como:
Suponhamos que desejo lhe vender um veículo que no mercado está sendo negociado por R$ 100 mil e eu sei que vale isso. Contudo, você não tem esse conhecimento. Nessas condições, esse valor é de mercado, porém, não é justo. Este tipo de valor apresenta-se quando as pessoas envolvidas são conhecedoras dos componentes de uma transação[2]
II- Valor Justo
O CPC 46 define o conceito de valor justo: “É o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data da mensuração.”
A-Elementos do Valor Justo
a.1 Transação não forçada
O valor justo só será obtido se os participantes foram livres para decidir e arbitrar o seu conteúdo. Não se pode trabalhar com a noção de valor justo em hipóteses de venda forçada, como aquelas que antecipam ou evitam a liquidação de empresas ou mesmo quando haja qualquer problema que impeça a correta valoração dos preços, como coação, por exemplo.
a.2 Mercado principal:
Com relação ao mercado principal em que a transação ocorre temos que perguntar se aquele é ou não o mercado principal. Para a aferição do valor justo, deve se apurar o valor no mercado principal. Caso não exista, deve se perquirir sobre o mercado mais vantajoso para o ativo ou passivo.
a.3 Preço de Saída:
Como bem dito por Gelbcke e Outros[3] “o valor justo é um preço e, portanto, faz parte das mensurações a valor de saída, de forma contrária ao custo que faz parte das mensurações a valor de entrada.”
a.4 Participantes do mercado:
Eis uma grande diferença entre o conceito de valor justo de mercado e valor justo. Pois só conseguiremos auferir o valor justo se outro participante do mercado estiver disposto a pagar o mesmo valor. Como nos ensina KING[4], no exemplo do leilão de um quadro arrematado por US$ 30 milhões, dois licitantes chegaram até US$ 29 milhões, mais apenas um deles pagou os US$ 30 milhões pelo quadro. Assim, o valor justo seria no máximo US$ 29 milhões, pois neste patamar haveria mais de um interessado no mercado apto a comprar aquele bem.
B- Subjetividade do valor justo
Para chegarmos ao valor justo, ainda
que sigamos à risca as normas e procedimentos contábeis, é curial que a
apuração do valor de algo vai depender, de uma forma ou de outra, de avaliação.
E aí, ainda que os conceitos estejam bem amarrados e definidos, sempre um certo
grau de subjetivismo acabará prevalecendo. Mesmo avaliadores experientes
colocados frente a frente com o mesmo problema acabarão tendo visões distintas
e arbitrarão preços diferentes, às vezes com até 10% (dez por cento) de
diferença.
III- Métodos de Obtenção do Valor Justo de uma empresa
Obter o valor justo de uma empresa,
como vimos, não é uma tarefa fácil, mormente porque vimos que existe um certo
grau de subjetividade na avaliação do conjunto de bens e direitos de uma
companhia. De toda sorte, existem alguns métodos desenvolvidos pela ciência
contábil para mostrar-nos o valor de uma empresa.
As três principais metodologias de avaliação de empresas são[5]:
fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado e valor patrimonial. Cada um
destes tem suas particularidades e importância para cada fase da empresa ou da
negociação que se pretende fazer.
a.Fluxo de Caixa Descontado
O método mais usado atualmente na avaliação é o fluxo de caixa
descontado. Em breves palavras, o fluxo de caixa descontado seria o valor dos
fluxos de caixa previstos para o futuro, descontados para o presente a uma taxa
que represente o risco. Esse risco está necessariamente atrelado ao tipo de
empresa exercido. Quanto maior o risco da atividade, possivelmente maior será a
taxa que represente esse risco. Por outro lado, muitas vezes o risco da
atividade compensa a realização do negócio, pois muitas vezes o segredo do
êxito na negociação está justamente na assunção desse maior grau de risco.
As informações necessárias são: o fluxo de caixa previsto (faturamento,
despesas, custos, etc), o crescimento esperado (expectativas do mercado), taxa
de desconto (quanto se descontará do caixa mês a mês, levando-se em conta um
prêmio pelo risco).
Por fim, cabe falar da perpetuidade que seria um valor estimado para a
empresa depois que ela atingisse o seu pico de crescimento e chegasse a um grau
de estabilidade por alguns anos. Esse período deve ser projetado e faz parte da
avaliação pelo método do fluxo de caixa descontado.
a.1 Aspectos Positivos e Negativos
Embora seja o modelo mais utilizado na avaliação de empresas, algumas
críticas são feitas a este método, dentre elas o fato de que exige grande
compreensão e estudo do negócio a ser adquirido além do que as premissas do
cálculo podem ser manipuladas, principalmente as que dizem respeito às
informações do mercado e ao futuro da empresa. Por fim, existe um elevado grau
de incerteza por conta de que grande parte da avaliação toma como base eventos
futuros e incertos.
b.Múltiplos de mercado
Outro dos métodos de avaliação de empresas muito utilizado é o
de múltiplos de mercado. Existem vários múltiplos comumente usados, porém os
mais importantes são: múltiplo EBITDA e múltiplo de lucro, ou PE.[6]
Nesse método de avaliação leva-se em conta como o mercado precifica
empresas com atividades semelhantes. Em linhas gerais, parece uma avaliação
mais simplificada como a de um carro ou de um imóvel. Porém, avaliar uma
empresa não é tão simples como estas outras avaliações.
A primeira dificuldade é encontrar uma empresa similar àquela a ser
avaliada, pois empresas, ainda que parecidas, possuem características que as
individualizam.
No mais, outro fator complicador é a escolha do múltiplo de avaliação a
ser utilizado como EBITDA, EBIT etc. Abaixo, um link de uma tabela do Prof.
Damodaran[7]
que estipula múltiplos para grandes players do mercado. http://www.stern.nyu.edu/~adamodar/pc/datasets/betas.xls
b.1 Múltiplo de Lucro
É a utilização do lucro mensal da companhia na aferição do seu valor. É o
método mais utilizado na aquisição de pequenas e médias empresas. É um método
mais simples utilizando a comparação com outras empresas do ramo por meio do
valor de venda do mercado / lucro da empresa chegando-se a um múltiplo.
b.2 Múltiplo de EBIT
É a abreviação do inglês earnings
before interest and taxes. Lucro antes do pagamento de juros e taxas. Usa-se
esse método para empresas que ao comprarem a companhia quitem eventuais
empréstimos contraídos e, portanto, se livrem dos juros a serem pagos ao
ofertante do capital. Também, no que diz respeito às taxas, muitas vezes o
comprador se trata de empresa em regime tributário diferente, sendo necessário
expurgar-se a apuração dos impostos que na empresa de maior porte serão
contabilizados e pagos de forma diferente.
Portanto, para se chegar ao valor justo da empresa é necessário se
expurgar juros e tributos que seriam pagos de forma diferente pelas empresas
participantes do negócio.
b.3 Múltiplo de EBITDA
É a abreviação do inglês earnings
before interest, taxes, depreciation and amortization. Lucro antes do
pagamento de juros, taxas, depreciação e amortização.
Esta metodologia consiste em se multiplicar o EBITDA ou o lucro líquido
da empresa pelo número de vezes que outras empresas estão sendo negociadas.
Múltiplos de mercado são especialmente utilizados em negociação de venda de
empresas em parcelas, onde se determina que parte do valor a ser pago estará
ligado ao desempenho futuro da empresa.
b.4 Múltiplo de receita, valor contábil e patrimônio líquido
Existem outros métodos, porém, não são os mais utilizados. Consistem,
resumidamente, em se achar a receita mensal, o valor contábil ou o patrimônio
líquido da empresa e se calcular seu valor por um múltiplo de mercado baseado
nesses vetores.
b.5 Aspectos Positivos e Negativos
Os métodos de múltiplo são mais simples do que o de fluxo de caixa descontado na avaliação de empresas. Porém, a exemplo de alguns inputs do método de FCD, aqui algumas informações podem ser manipuladas. Além disso, um determinado setor pode estar passando por um viés de alta ou baixa, o que pode acabar influenciando na avaliação do múltiplo de mercado. Esse viés contaminante não é detectado na avaliação pelo múltiplo e pode acabar sub ou superestimando uma empresa.
c.Valor Patrimonial
Como última metodologia de avaliação de empresas abordada neste
texto, está o valor patrimonial. Esta metodologia de avaliação de empresas
consiste basicamente em se estimar seu valor pelo patrimônio líquido. É uma
metodologia com base na contabilidade, pouco usada em negociações, mas importante
em casos de liquidação da empresa em que não se projetará seu futuro nem
eventuais múltiplos de mercado.
Método fácil de apuração do valor, pois este já está insculpido no
balanço patrimonial da empresa.
Estas são as principais metodologias de avaliação de empresas. Cada
uma tem seu propósito e todas são importantes em fases diferentes de negociação
ou da vida da empresa.
Como vimos, achar o valor justo de uma empresa não é tarefa fácil, pois
embora estejamos no campo da ciência contábil, muitos dos inputs ou informações a serem utilizadas no cálculo do valor de uma
empresa partem de uma perspectiva com certo grau de subjetividade. Para isso,
existem variegados métodos de avaliação, alguns dos quais foram vistos en passant nesse pequeno estudo, todos
com objetivo de criar uma tecnicidade e diminuir especulações.
O método a ser utilizado vai depender, dentre outros fatores, da situação
econômica ou jurídica da empresa, do tipo de atividade exercida, do seu
faturamento, do tipo de negócio a ser celebrado, do porte do comprador, etc.
De toda sorte, por melhor que seja o avaliador e por mais adequado que
seja o método de avaliação levado a cabo é importante frisar que nenhuma
avaliação é igual à outra, pois sempre certa margem de subjetividade estará
permeando o avaliador em seu estudo.
[1] Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem
é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado
para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se
fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem
diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por
quem os sinos dobram; eles dobram por ti. – John Donne, Meditações VII.
[2] https://professorarnoldolima.com.br/site/qual-a-distincao-entre-valor-de-mercado-e-valor-justo/
[3] Manual
de Contabilidade Societária, Ed. Atlas, 3ª edição.
[4]
Conceitos de Valor Justo, Alfred E. KING, in Catty, James P. IFRS:guia de
aplicação do valor justo. Porto Alegre. Bookman, 2013.pag. 11-28.
[5] https://www.globaltrevo.com.br/avaliacao-de-empresas/metodos-de-avaliacao-de-empresas-metodologia-de-valuation/
[6] https://www.globaltrevo.com.br/avaliacao-de-empresas/metodos-de-avaliacao-de-empresas-metodologia-de-valuation/
[7] Aswath
Damodaran é um professor de finanças da Stern School of Business, na
Universidade de New York, onde ensina finanças corporativas e avaliação de
ações. É mais conhecido como autor de vários textos acadêmicos e práticos sobre
avaliação, finanças corporativas e manejo de investimentos
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