terça-feira, 8 de junho de 2021

 

SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL E O FIM DA EIRELI

 

Desde os primórdios do direito comercial brasileiro, caso todos os membros de uma sociedade quisessem segregar o seu patrimônio pessoal do patrimônio da empresa teriam de optar pela sociedade de responsabilidade limitada criada pelo Decreto 3708/19.

Ocorre que desde a sua criação, a lei previu que as sociedades de responsabilidade limitada teriam de ter, no mínimo, 02 sócios para existirem validamente. Tal requisito afastou todos os empresários que exerciam a atividade em nome próprio das benesses da lei. Na prática, o “gênio criativo” do brasileiro fez com que o pequeno comerciante/empresário acabasse por criar uma sociedade limitada de conveniência em que, na verdade, apenas um sócio tinha a intenção de praticar o comércio/empresa, sendo que o outro apenas compunha o quadro social para conceder a limitação de responsabilidade ao real dono do negócio. 

 Este panorama trouxe uma série de problemas, pois estes “sócios” que emprestavam seu nome à atividade acabavam por se ver surpreendidos com restrições creditícias, penhoras, ações. Enfim, uma série de problemas decorrentes do malogro da atividade empresarial da qual sequer participavam efetivamente.

 

Advento da EIRELI

Tal situação modificou-se em 11 de julho de 2001, dia em que foi criada pela Lei 12.441 a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Por essa lei, uma única pessoa titular da totalidade do capital social de uma empresa poderia conseguir a limitação de responsabilidade, desde que o total do capital social tivesse, no mínimo, o valor de 100 salários mínimos.

 O advento de tal empresa possibilitou que uma série de empresários não mais precisassem do chamado “sócio de aluguel” para exercerem suas atividades. Contudo, a referida lei não era de todo democrática, pois não abarcava ainda os pequenos empresários, uma vez que o artigo 980-A do Código Civil (criado pela nova lei) exige, para a constituição da EIRELI, um capital social mínimo de 100 salários mínimos.

Porém, mais uma vez o “gênio” do empresário brasileiro foi posto a prova e saiu-se bem. Muitos pequenos empresários, mesmo não tendo esse capital disponível, simplesmente declaravam ter essa quantia em caixa para poder começar a empresa. Na prática, acabou por se perceber que não houve qualquer controle das juntas comerciais/receita federal quanto à veracidade dessa declaração.

 

Sociedade unipessoal de responsabilidade limitada

 Desde 2011, a realidade caminhava assim até que em 20 de setembro de 2019, a MP 880 foi convertida na Lei 13.874 criando a chamada sociedade limitada unipessoal. Por esta lei alterou-se o regime existente no Brasil desde 1919, possibilitando-se a criação de uma sociedade limitada composta de apenas um membro. Outrossim, a partir de então, não se exige mais a pré-fixação de um capital social mínimo estimado.

 Tal inovação certamente fará com que a EIRELI em breve tempo caia em completo desuso, uma vez que a sociedade limitada unipessoal só tem vantagens em relação à EIRELI, posto não haver mais a exigência de valor mínimo de capital social.

 

Crítica ao termo “sociedade unipessoal”

Se formos ao dicionário veremos a definição de sociedade, nos seguintes termos[1]: Reunião de homens e/ou animais que vivem em grupos organizados; corpo social. Ora, é de cunho léxico, antes de técnico jurídico que toda sociedade deve ter, no mínimo, uma dualidade de pessoas. Daí decorre que o termo sociedade limitada unipessoal contém mais do que uma imprecisão de ordem técnica, senão uma confusão de ordem léxico-tautológica.

 Em nosso sentir, não havia razão para a criação de uma sociedade de um homem só. É algo sem nexo e tão fictício como o capitão Birobidjan – uma espécie de Dom Quixote tropical - da obra de Moacyr Sciliar[2] que inspirou o gaúcho Humberto Gessinger a compor os versos da canção com o mesmo nome do livro.

 Querendo segregar a responsabilidade pela atividade empresária do patrimônio pessoal do empresário, mais sábio teria sido o legislador se simplesmente tivesse revogado o valor mínimo de capital social, insculpido no art. 980-A do Código Civil e exigido para a criação da EIRELI. Manteríamo-nos, pelo menos, a salvo desse atentado à lógica

 No mais, estaria ainda viva a EIRELI que é uma empresa e não uma “sociedade unipessoal”. Não precisaríamos criar um novo instituto para matar de morte matada, como diria Gilberto Gil[3], a tão ainda jovem EIRELI.


[1] https://www.dicio.com.br/sociedade/

[2] O Exercito de um homem só – 1973

[3] “Aí nesse instante sim, sentirei quem sabe um choque, um piripaque, um  baque, um calafrio ou um toque. Coisas naturais da vida. Como comer, caminhar. Morrer de morte matada. Morrer de morte morrida. Quem sabe eu sinta saudade. Como em qualquer despedida

Não tenho medo da morte, Álbum: Banda Larga Cordel - 2008.

                            Fusões e Aquisições: adaptação ao regramento brasileiro


Empresas sempre foram compradas e vendidas desde que tiveram existência própria e distinta da pessoa de seus membros. Essa prática tornou-se extremamente utilizada em outras plagas dado o volume de transações e expansão da economia de países desenvolvidos. Tal prática denominou-se M&A – Mergers and Acquisitions, traduzindo-se, Fusões e Aquisições.

No estrangeiro, a prática e o grande número de transações desse tipo levou a um grau sofisticado de especificidade e a um regramento próprio desse setor. Conforme a evolução e aperfeiçoamento desse mercado ia acontecendo, as empresas negociantes sentiram a necessidade de incluir em seus arranjos contratuais, no chamado contract design, cláusulas como sandbagiging, anti-sandbaging, Mac/Mae, cláusulas especificas de prescrição e decadência dentre outras.

Justamente por essa enorme expertise internacional, quando o segmento de M&A começou a florescer no Brasil, a tendência natural por parte dos operadores do direito foi importar as experiências já vividas e minutas de contratos estrangeiros, sem uma maior preocupação de cotejo dos institutos estrangeiros à luz da nossa legislação. De sentir que nos Estados Unidos, tais cláusulas são bem aceitas à luz do sistema de Commom Law que possui uma elasticidade maior na aplicação dos institutos jurídicos bem como dos próprios princípios atinentes àquele país – sobretudo no que toca a busca constante pela maior liberdade econômica possível, plena liberdade de contratar e marcado respeito aos contratos. Não se pode dizer o mesmo com relação ao nosso sistema civil, pois a legislação codificada tende a ter um grau bem maior de intervenção nas relações contratuais. Não que isso seja um defeito, senão uma característica peculiar do nosso sistema.

Vamos, portanto, explicar em brevíssimas linhas, o que seria cada um desses institutos acima expostos e as razões de dificuldade na adaptação de sua aplicação perante a legislação brasileira, não sem antes fazermos um intróito ao que consiste um dos maiores problemas do M&A, qual seja, a fixação do preço do negócio.

Da fixação do preço em operações de M&A

Uma das grandes questões atinentes ao M&A, senão a maior delas é a fixação do preço de uma companhia. Explique-se: o controlador ou vendedor de uma empresa precifica-a de posse de todos os dados de sua contabilidade e por conhecer amiúde seu ramo de negócio, ele sabe: os últimos faturamentos, seus principais concorrentes, têm as últimas projeções do mercado. Enfim, domina seu negócio. Já por sua vez o adquirente não conhece as estranhas da companhia e em algumas vezes sequer opera no mesmo ramo.

De outro lado, as partes podem ter um grande interesse no negócio e a fixação de um preço exato no momento da venda é muito difícil, justamente em razão da assimetria de informações entre as partes existentes no momento da venda. Então, o tirocínio dos negociantes faz com que as partes fechem o negócio, sob determinadas condições de preço, mas difiram uma parte do pagamento do pagamento ou da fixação do preço definitivo para momento posterior, em que o adquirente, já de posse da companhia, possa avaliar por inteiro o negócio e consiga fixar de comum acordo um preço com o vendedor.

Por outro lado, o vendedor tem sempre o receio de que “passado o bastão” para o comprador esse último possa, por inexperiência ou outros motivos, não conhecer seu negócio, não saber tocá-lo e em pouco tempo levar a empresa a uma baixa considerável de seus ativos ou aumento de passivos e por conseqüência a um declínio do preço final de venda que ficou para ser ajustado em momento futuro.  

 Nesse cenário, como dito, o tirocínio dos negociadores estabelece uma série de cláusulas como forma de tentar diminuir essas dores das partes contratantes e poder chegar a um bom termo do negócio. Vamos a primeira cláusula:

Cláusula Mac/MAE

Uma dessas cláusulas é chamada de MAC/MAE (material adversal change ou material adversal effect) que consiste na estipulação de que entre o fechamento do negócio e o pagamento final do preço podem ocorrer determinados fatores ou alterações relevantes que diminuam significativamente o preço da companhia. Fatores esses que podem ser alterações na empresa, risco do negócio, alterações que não estejam sob seu controle ou não previstas pelas partes. O comprador pode, então, preenchidas as condições fazer uso da cláusula referida e não concluir a transação ou renegociar seus termos. Podem ainda, as partes, discriminar determinadas situações que não se enquadrariam no conceito de MAC/MAE e, portanto, manter-se-ia o contrato válido e exigível, eis o chamado carve-out. 

No atual momento, a pandemia de COVID-19 pode ser um fator a abalar esse mercado e provocar inúmeras alegações de MAC/MAE, pois se entre o signing e o closing ocorre a pandemia, dificilmente as partes não utilizariam essa cláusula para poder rever o ajuste de preço da companhia dado a recessão mundial pela qual possivelmente atravessaremos.

Por fim, comparando-se ao nosso sistema jurídico, temos por aqui a formulação da teoria da imprevisão adotada no art. 421 do Código Civil que estabelece que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Portanto, ainda que de maneira excepcional, é possível a revisão judicial do contrato. Assim, provavelmente as cláusulas de MAC/MAE poderão ser adotadas como forma de impedimento ou não (carve-out) a revisão contratual desde que expressamente previstas as hipóteses pelas partes.    

Sandbaging ou anti-sandbagging

Outra dessas cláusula atinente ao segmento de M&A é a imposição de sandbagging. Por esta cláusula, as partes prevêem no contrato que eventuais deficiências ou inconsistência de informações possam gerar indenização para o comprador, mesmo que este tenha prévia ciência da inexatidão das declarações. De outro lado, o anti-sandbagging possui o efeito contrário de não permitir a indenização, mesmo com a ciência de inconsistências. No sistema americano, as partes apresentam longas declaraçãoes chamadas de “reps and warranties” durante a negociação, ou seja, informações e documentações que permitam avaliar de forma honesta o estado atual da companhia a ser alienada.

 Em nosso sistema jurídico, tais cláusulas podem apresentar complicadores especialmente na questão referente à boa-fé objetiva, pois se a parte tinha ciência da inexatidão das informações, porque celebrou o contrato e depois pediu indenização com base nessas mesmas inexatidões?

Outro aspecto é o dolo bilateral à luz do artigo 150 do Código Civil, pois se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio ou reclamar indenização. – pois uma parte faz declaração inexata e a outra aceita celebrar a transação mesmo sabendo da inexatidão da declaração graças à cláusula de sandbagging, que possibilitaria, posteriormente, a discussão. 

 

Survival Clause

Por fim, esse tipo de cláusula comum em contratos americanos estabelece que determinadas matérias continuam válidas mesmo após o término do contrato. Exemplifica-se com as chamadas claúsulas de non compete e confidencialidade que perdurariam seus efeitos mesmo após a conclusão do contrato. Contudo, tais cláusulas podem ser vistas, perante o nosso direito, como pactos acessórios ao contrato principal. Em outros países, algumas vezes as partes usam essas cláusulas de sobrevivência para estender o prazo de determinadas obrigações contratuais, o que pode afrontar nosso sistema jurídico que possui regras inflexíveis e de ordem pública no que concerne a prazos prescricionais. Portanto, a depender da matéria eventuais cláusulas poderão ser invalidadas judicialmente.

 Conclusão

Em princípio, temos como válida a tentativa de importação de cláusulas ou institutos de direito da commom law para o nosso sistema em sede de M&A, em razão da maior intensidade negocial e autonomia das partes existente em alguns desses países. Pelo grande número de negócios e conseqüentes problemas daí advindos houve uma natural evolução daquele sistema em comparação ao nosso quando em sede de M&A. Todavia, se por um lado tais soluções jurídicas se mostram boas para aqueles países, por outro aspecto, passamos a ter o busílis de aclimatar estes institutos ao nosso ordenamento. E quase sempre isso não se dá sem problemas. Assim, a mera tradução de contratos sem aclimatação desses institutos ao nosso sistema legal acaba por poder trazer mais malefícios do que benefícios. Contratos extensos, com regulamentação amiúde e com termos não adaptáveis ao nosso sistema podem gerar mais conflitos do que contratos curtos mais comuns aos latinos, acostumados á maior intervenção estatal.    

Curioso notar o caso trazido no evento M&A da FGV (Oxbow Carbon Minerals Holding x Crestview) em que a Corte de Delaware afirmou que o poder interpretativo de uma corte não pode usar, por exemplo, o princípio da boa-fé para reescrever um contrato e dar maior proteção contratual a uma das partes quando o contrato tem uma solução expressa para isso. Segundo o Prof. Levi-Minzi, a interpretação não pode ocorrer, quando não há lacuna.

Na verdade, quando ouvimos uma afirmação dessas achamos estar diante de uma grande novidade em que uma Corte não interferiu num contrato. Só nos olvidamos que isso já está incrustado como brocardo jurídico há séculos em nosso sistema civil law, qual seja: “in claris non fit interpretatio”. O problema é que com o passar dos anos e com as transformações de nossa sociedade, fomos nos esquecendo dos princípios rígidos que nos trouxeram até aqui. Com o tempo, a legislação foi se tornando cada vez mais interveniente para atender a complexidade e o aumento das relações sociais. O desafio é buscar o equilíbrio aristotélico, pois a justiça do caso concreto é sempre boa, mas também não podemos nos esquecer de que a forma garante contra o arbítrio.

 

 

 

 VALOR JUSTO CONTÁBIL E A AVALIAÇÃO DE EMPRESAS

Desde os tempos mais remotos, as pessoas fazem negócios. Como nenhum homem é uma ilha[1], os humanos sempre precisaram dos seus semelhantes para obter todos os bens dos quais necessitam para sobreviver. Ao precisarem desses bens era natural que os homens fizessem trocas entre si. Pois, muitas vezes, o excedente que o homem obtinha de uma determinada atividade, a caça, v.g, precisava ser transacionado com os outros membros da comunidade que detinham excedentes de outras coisas. É intuitivo que os homens, desde os primeiros tempos, busquem uma alocação eficiente dos recursos à sua disposição.

 Assim, ainda antes do início do comércio era necessária a atribuição de valor as coisas, pois mesmo em uma sociedade que praticava escambo sempre houve a necessidade de se atribuir valor às coisas. Para buscar essa alocação eficiente de recursos, o homem sempre precisou atribuir valor às coisas.

Ocorre que a noção de valor depende da ótica de quem o atribui. Tomemos por exemplo, uma garrafa de água mineral e uma Ferrari. Em Manhattan, p. ex, você precisará certamente ser dono de alguns milhares de garrafas de água para poder, com o mesmo valor atribuído a ambas as coisas, comprar uma Ferrari. Já, no Deserto do Saara, e diante de um rico viajante perdido no deserto há dois dias você certamente conseguirá trocar uma única garrafa de água pela máquina italiana e talvez ainda receba até alguma coisa a mais por isso.

 Portanto, a noção de valor sempre foi um enigma de difícil solução para o homem. Ainda mais, se falarmos em, mais do que achar o valor das coisas, acharmos o seu valor justo.  Entrementes, com a complexidade das relações sociais e mais especificadamente na área empresarial, torna-se importante saber-se o valor justo de uma empresa.

Para tanto, temos que obedecer às normas contábeis em vigor a fim de responder a essa pergunta.

I-                  Valor de Mercado

O International Valuation Standarts Council define o valor de mercado como:

 O valor estimado pelo qual um ativo ou passivo deve ser trocado na data da avaliação entre um comprador e um vendedor dispostos em uma transação de mercado, após uma comercialização adequada e em que as partes agiram com conhecimento, prudência e sem compulsão.

Suponhamos que desejo lhe vender um veículo que no mercado está sendo negociado por R$ 100 mil e eu sei que vale isso. Contudo, você não tem esse conhecimento. Nessas condições, esse valor é de mercado, porém, não é justo. Este tipo de valor apresenta-se quando as pessoas envolvidas são conhecedoras dos componentes de uma transação[2]

 O termo valor de mercado é o preço que o mercado atribui a um determinado bem ou serviço. Contudo, como já dito, esse não é o valor justo, pois, por exemplo, se no verão um protetor solar pode ser vendido por um preço até acima do mercado, no inverno esse preço pode cair até para menos do que o preço de custo, caso o produto esteja próximo ao vencimento.

 Além do mais, há outro problema na definição de valor de mercado, pois ela não leva em conta outros participantes do mercado. Assim, numa transação um produto pode ter sido vendido por R$ 1 milhão para um determinado comprador. Mas, pode ser que mais ninguém no mercado compre esse produto por esse preço. Então, para a definição de valor de mercado o R$ 1 milhão seria suficiente, mas em termo de valor justo, o numero certamente teria de ser menor até encontrar outro possível comprador no mercado.

II-               Valor Justo

O CPC 46 define o conceito de valor justo: “É o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data da mensuração.”

A-Elementos do Valor Justo

a.1 Transação não forçada

O valor justo só será obtido se os participantes foram livres para decidir e arbitrar o seu conteúdo. Não se pode trabalhar com a noção de valor justo em hipóteses de venda forçada, como aquelas que antecipam ou evitam a liquidação de empresas ou mesmo quando haja qualquer problema que impeça a correta valoração dos preços, como coação, por exemplo.

a.2 Mercado principal:

Com relação ao mercado principal em que a transação ocorre temos que perguntar se aquele é ou não o mercado principal. Para a aferição do valor justo, deve se apurar o valor no mercado principal. Caso não exista, deve se perquirir sobre o mercado mais vantajoso para o ativo ou passivo.

a.3 Preço de Saída: 

Como bem dito por Gelbcke e Outros[3] “o valor justo é um preço e, portanto, faz parte das mensurações a valor de saída, de forma contrária ao custo que faz parte das mensurações a valor de entrada.”

a.4 Participantes do mercado:

Eis uma grande diferença entre o conceito de valor justo de mercado e valor justo. Pois só conseguiremos auferir o valor justo se outro participante do mercado estiver disposto a pagar o mesmo valor.  Como nos ensina KING[4], no exemplo do leilão de um quadro arrematado por US$ 30 milhões, dois licitantes chegaram até US$ 29 milhões, mais apenas um deles pagou os US$ 30 milhões pelo quadro. Assim, o valor justo seria no máximo US$ 29 milhões, pois neste patamar haveria mais de um interessado no mercado apto a comprar aquele bem.

B- Subjetividade do valor justo

Para chegarmos ao valor justo, ainda que sigamos à risca as normas e procedimentos contábeis, é curial que a apuração do valor de algo vai depender, de uma forma ou de outra, de avaliação. E aí, ainda que os conceitos estejam bem amarrados e definidos, sempre um certo grau de subjetivismo acabará prevalecendo. Mesmo avaliadores experientes colocados frente a frente com o mesmo problema acabarão tendo visões distintas e arbitrarão preços diferentes, às vezes com até 10% (dez por cento) de diferença.


III-           Métodos de Obtenção do Valor Justo de uma empresa 

Obter o valor justo de uma empresa, como vimos, não é uma tarefa fácil, mormente porque vimos que existe um certo grau de subjetividade na avaliação do conjunto de bens e direitos de uma companhia. De toda sorte, existem alguns métodos desenvolvidos pela ciência contábil para mostrar-nos o valor de uma empresa.

As três principais metodologias de avaliação de empresas são[5]: fluxo de caixa descontado, múltiplos de mercado e valor patrimonial. Cada um destes tem suas particularidades e importância para cada fase da empresa ou da negociação que se pretende fazer.


a.Fluxo de Caixa Descontado

O método mais usado atualmente na avaliação é o fluxo de caixa descontado. Em breves palavras, o fluxo de caixa descontado seria o valor dos fluxos de caixa previstos para o futuro, descontados para o presente a uma taxa que represente o risco. Esse risco está necessariamente atrelado ao tipo de empresa exercido. Quanto maior o risco da atividade, possivelmente maior será a taxa que represente esse risco. Por outro lado, muitas vezes o risco da atividade compensa a realização do negócio, pois muitas vezes o segredo do êxito na negociação está justamente na assunção desse maior grau de risco.

As informações necessárias são: o fluxo de caixa previsto (faturamento, despesas, custos, etc), o crescimento esperado (expectativas do mercado), taxa de desconto (quanto se descontará do caixa mês a mês, levando-se em conta um prêmio pelo risco).

Por fim, cabe falar da perpetuidade que seria um valor estimado para a empresa depois que ela atingisse o seu pico de crescimento e chegasse a um grau de estabilidade por alguns anos. Esse período deve ser projetado e faz parte da avaliação pelo método do fluxo de caixa descontado.

a.1 Aspectos Positivos e Negativos

Embora seja o modelo mais utilizado na avaliação de empresas, algumas críticas são feitas a este método, dentre elas o fato de que exige grande compreensão e estudo do negócio a ser adquirido além do que as premissas do cálculo podem ser manipuladas, principalmente as que dizem respeito às informações do mercado e ao futuro da empresa. Por fim, existe um elevado grau de incerteza por conta de que grande parte da avaliação toma como base eventos futuros e incertos.

b.Múltiplos de mercado

Outro dos métodos de avaliação de empresas muito utilizado é o de múltiplos de mercado. Existem vários múltiplos comumente usados, porém os mais importantes são: múltiplo EBITDA e múltiplo de lucro, ou PE.[6]

Nesse método de avaliação leva-se em conta como o mercado precifica empresas com atividades semelhantes. Em linhas gerais, parece uma avaliação mais simplificada como a de um carro ou de um imóvel. Porém, avaliar uma empresa não é tão simples como estas outras avaliações.

A primeira dificuldade é encontrar uma empresa similar àquela a ser avaliada, pois empresas, ainda que parecidas, possuem características que as individualizam.

No mais, outro fator complicador é a escolha do múltiplo de avaliação a ser utilizado como EBITDA, EBIT etc. Abaixo, um link de uma tabela do Prof. Damodaran[7] que estipula múltiplos para grandes players do mercado. http://www.stern.nyu.edu/~adamodar/pc/datasets/betas.xls

b.1 Múltiplo de Lucro

É a utilização do lucro mensal da companhia na aferição do seu valor. É o método mais utilizado na aquisição de pequenas e médias empresas. É um método mais simples utilizando a comparação com outras empresas do ramo por meio do valor de venda do mercado / lucro da empresa chegando-se a um múltiplo.

b.2 Múltiplo de EBIT 

É a abreviação do inglês earnings before interest and taxes. Lucro antes do pagamento de juros e taxas. Usa-se esse método para empresas que ao comprarem a companhia quitem eventuais empréstimos contraídos e, portanto, se livrem dos juros a serem pagos ao ofertante do capital. Também, no que diz respeito às taxas, muitas vezes o comprador se trata de empresa em regime tributário diferente, sendo necessário expurgar-se a apuração dos impostos que na empresa de maior porte serão contabilizados e pagos de forma diferente.

Portanto, para se chegar ao valor justo da empresa é necessário se expurgar juros e tributos que seriam pagos de forma diferente pelas empresas participantes do negócio.

b.3  Múltiplo de EBITDA

É a abreviação do inglês earnings before interest, taxes, depreciation and amortization. Lucro antes do pagamento de juros, taxas, depreciação e amortização.

Esta metodologia consiste em se multiplicar o EBITDA ou o lucro líquido da empresa pelo número de vezes que outras empresas estão sendo negociadas. Múltiplos de mercado são especialmente utilizados em negociação de venda de empresas em parcelas, onde se determina que parte do valor a ser pago estará ligado ao desempenho futuro da empresa.

b.4 Múltiplo de receita, valor contábil e patrimônio líquido

Existem outros métodos, porém, não são os mais utilizados. Consistem, resumidamente, em se achar a receita mensal, o valor contábil ou o patrimônio líquido da empresa e se calcular seu valor por um múltiplo de mercado baseado nesses vetores.

b.5 Aspectos Positivos e Negativos

 Os métodos de múltiplo são mais simples do que o de fluxo de caixa descontado na avaliação de empresas. Porém, a exemplo de alguns inputs do método de FCD, aqui algumas informações podem ser manipuladas. Além disso, um determinado setor pode estar passando por um viés de alta ou baixa, o que pode acabar influenciando na avaliação do múltiplo de mercado. Esse viés contaminante não é detectado na avaliação pelo múltiplo e pode acabar sub ou superestimando uma empresa.

c.Valor Patrimonial

Como última metodologia de avaliação de empresas abordada neste texto, está o valor patrimonial. Esta metodologia de avaliação de empresas consiste basicamente em se estimar seu valor pelo patrimônio líquido. É uma metodologia com base na contabilidade, pouco usada em negociações, mas importante em casos de liquidação da empresa em que não se projetará seu futuro nem eventuais múltiplos de mercado.

Método fácil de apuração do valor, pois este já está insculpido no balanço patrimonial da empresa.

Estas são as principais metodologias de avaliação de empresas. Cada uma tem seu propósito e todas são importantes em fases diferentes de negociação ou da vida da empresa.

 IV-            Conclusão

Como vimos, achar o valor justo de uma empresa não é tarefa fácil, pois embora estejamos no campo da ciência contábil, muitos dos inputs ou informações a serem utilizadas no cálculo do valor de uma empresa partem de uma perspectiva com certo grau de subjetividade. Para isso, existem variegados métodos de avaliação, alguns dos quais foram vistos en passant nesse pequeno estudo, todos com objetivo de criar uma tecnicidade e diminuir especulações.

O método a ser utilizado vai depender, dentre outros fatores, da situação econômica ou jurídica da empresa, do tipo de atividade exercida, do seu faturamento, do tipo de negócio a ser celebrado, do porte do comprador, etc.

De toda sorte, por melhor que seja o avaliador e por mais adequado que seja o método de avaliação levado a cabo é importante frisar que nenhuma avaliação é igual à outra, pois sempre certa margem de subjetividade estará permeando o avaliador em seu estudo.



[1] Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti. – John Donne, Meditações VII.

[2] https://professorarnoldolima.com.br/site/qual-a-distincao-entre-valor-de-mercado-e-valor-justo/

[3] Manual de Contabilidade Societária, Ed. Atlas, 3ª edição.

[4] Conceitos de Valor Justo, Alfred E. KING, in Catty, James P. IFRS:guia de aplicação do valor justo. Porto Alegre. Bookman, 2013.pag. 11-28.

[5] https://www.globaltrevo.com.br/avaliacao-de-empresas/metodos-de-avaliacao-de-empresas-metodologia-de-valuation/

[6] https://www.globaltrevo.com.br/avaliacao-de-empresas/metodos-de-avaliacao-de-empresas-metodologia-de-valuation/

[7] Aswath Damodaran é um professor de finanças da Stern School of Business, na Universidade de New York, onde ensina finanças corporativas e avaliação de ações. É mais conhecido como autor de vários textos acadêmicos e práticos sobre avaliação, finanças corporativas e manejo de investimentos

quarta-feira, 4 de junho de 2014


 A "infinita" Responsabilidade trabalhista do Ex-sócio.
Todos os empresários, mesmo que sem grande cabedal jurídico, têm guardadas em sua memória algumas expressões ou definições chaves de cunho jurídico que em algum momento lhes foram passadas e que guardam como profissão de fé, como por exemplo, a de que: na sociedade por cotas de responsabilidade limitada o sócio responde somente até o limite de suas forças na constituição do capital social.... ou ainda que o ex-sócio só responde pelas dívidas da sociedade num prazo máximo de dois anos após a sua saída da empresa....

Tais definições isoladamente consideradas pecam pela sua rusticidade, ignoram o alto grau de subjetivismo e insegurança jurídica de nossa legislação e não levam em consideração o verdadeiro movimento justicialista em curso que toma conta, sobretudo, de nossa justiça laboral.

Para corroborar a afirmativa aqui lançada, trago à baila recente decisão do TST nos autos do AIRR 2067/2004-311-02-40.2 que entendeu ser o ex-sócio – fora dos quadros sociais da Empresa desde 2002 – responsável por uma dívida trabalhista referente ao período em que constou no contrato social (1998-2002), mesmo estando fora da empresa há mais de dez anos!

Entendem os partidários do acerto/justiça desta decisão que o ex-sócio deve sim responder pelo débito trabalhista, pois ao tempo da prestação dos serviços, beneficiou-se dos mesmos na qualidade de sócio da empresa e que, portanto, em caráter subsidiário e na ausência de bens da empresa e dos atuais sócios, lícito lhe seria imputar o dever de pagar o débito.

O que nos parece é que o justicialismo ou o “fazer justiça com a própria caneta” contido nesta decisão acaba, em verdade, por eternizar a responsabilidade trabalhista do sócio retirante e joga uma pá de cal no art. 1032 do Código Civil que estabelece o biênio de responsabilidade do ex-sócio.

Decisões como essa fazem o julgador deixar de ser “o escravo da Lei” e passar arbitrariamente a substituir o próprio legislador, criando e inovando em matéria legal sob o pseudo e oculto argumento de tibieza legislativa.

Não é possível se concordar que sob o compreensível argumento de se indenizar o trabalhador possamos passar por cima da lei e de inúmeras relações jurídicas que possam vir a se estabelecer ao longo dos anos pós-retirada.

A prevalecer tal entendimento e dando continuidade a este raciocínio, amanhã podemos nos deparar com pedido de fraude à execução/credores feito por trabalhador, caso esse ex-sócio tenha vendido algum patrimônio dez, quinze anos após sua saída da empresa. Absurdo!

Que dirá, então, no tocante a verba do FGTS que a prescrição do direito só se dá em trinta anos! 

Ex-sócio: avise o comprador do seu imóvel, caso as coisas continuem como estão, que ele corre o risco quase que vitalício e a qualquer momento de perder o imóvel adquirido se você sofrer uma ação ou execução trabalhista. Afinal de contas, quem vendeu o imóvel se beneficiou do serviço de um empregado vinte anos atrás! Pergunto: que segurança jurídica temos nós?

Some-se a este justicialismo laboral de nossos dias, que praticamente decreta o fim da responsabilidade limitada do empresário, a política tributária - cada vez mais esmagadora e o crescente paternalismo/assistencialismo governamental que coloca o trabalhador em uma zona letárgica em busca de benefícios estatais e não de crescimento ou desenvolvimento individual.

Pronto: tem-se aí a receita de um país em colapso: pequenos e médios empresários acovardados e trabalhadores sem estímulo de crescimento meritocrático ou em bom português: empresário com medo de investir e trabalhador com preguiça de trabalhar!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

1.350.000 ABESTADOS !!

tá eleito o palhaço TIRIRICA com 1.350.000 votos ! O regime democrático em que vivemos permite que qualquer um, desde que alfabetizado, galge um cargo público ! A pergunta que fica é : Será que entre os milhares de candidatos disponíveis nao existia um sequer com boas intenções que valeria o voto das pessoas que acabaram por optar pelo referido cômico-candidaro.
A essas pessoas que fique um recado: Se são honestas e querem o bem de seu pais e não encontraram nas urnas ninguem digno se ser seu representante que se filiem a um partido politico e tentem uma vaga nas proximas eleiçoes ! O verdadeiro protesto começa agora fiscalizando e cobrando as promessas dos candidatos eleitos. Caso contrário, muito provavelmente as coisas vão ficar pior do que estão!!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

DECISÃO DO STF

ONTEM, 30/09, O STF DERRUBOU, POR 8X2, A EXIGENCIA DE UM DOCUMENTO DE IDENTIFICAÇÃO MAIS O TITULO DE ELEITOR NA HORA DO VOTO. ASSIM, SE VOCE NAO LEVAR O TITULO BASTA APENAS LEVAR UM DOCUMENTO COM FOTO. SEGUNDO O VOTO DO MINISTRO CEZAR PELUZZO, FAVORAVEL A EXIGENCIA, É O FIM DO TITULO DE ELEITOR, UMA VEZ QUE ESTE NAO PRECISA SER APRESENTADO. ASSIM, LEVE O TITULO OU UM DOCUMENTO COM FOTO !