terça-feira, 8 de junho de 2021

 

SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL E O FIM DA EIRELI

 

Desde os primórdios do direito comercial brasileiro, caso todos os membros de uma sociedade quisessem segregar o seu patrimônio pessoal do patrimônio da empresa teriam de optar pela sociedade de responsabilidade limitada criada pelo Decreto 3708/19.

Ocorre que desde a sua criação, a lei previu que as sociedades de responsabilidade limitada teriam de ter, no mínimo, 02 sócios para existirem validamente. Tal requisito afastou todos os empresários que exerciam a atividade em nome próprio das benesses da lei. Na prática, o “gênio criativo” do brasileiro fez com que o pequeno comerciante/empresário acabasse por criar uma sociedade limitada de conveniência em que, na verdade, apenas um sócio tinha a intenção de praticar o comércio/empresa, sendo que o outro apenas compunha o quadro social para conceder a limitação de responsabilidade ao real dono do negócio. 

 Este panorama trouxe uma série de problemas, pois estes “sócios” que emprestavam seu nome à atividade acabavam por se ver surpreendidos com restrições creditícias, penhoras, ações. Enfim, uma série de problemas decorrentes do malogro da atividade empresarial da qual sequer participavam efetivamente.

 

Advento da EIRELI

Tal situação modificou-se em 11 de julho de 2001, dia em que foi criada pela Lei 12.441 a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Por essa lei, uma única pessoa titular da totalidade do capital social de uma empresa poderia conseguir a limitação de responsabilidade, desde que o total do capital social tivesse, no mínimo, o valor de 100 salários mínimos.

 O advento de tal empresa possibilitou que uma série de empresários não mais precisassem do chamado “sócio de aluguel” para exercerem suas atividades. Contudo, a referida lei não era de todo democrática, pois não abarcava ainda os pequenos empresários, uma vez que o artigo 980-A do Código Civil (criado pela nova lei) exige, para a constituição da EIRELI, um capital social mínimo de 100 salários mínimos.

Porém, mais uma vez o “gênio” do empresário brasileiro foi posto a prova e saiu-se bem. Muitos pequenos empresários, mesmo não tendo esse capital disponível, simplesmente declaravam ter essa quantia em caixa para poder começar a empresa. Na prática, acabou por se perceber que não houve qualquer controle das juntas comerciais/receita federal quanto à veracidade dessa declaração.

 

Sociedade unipessoal de responsabilidade limitada

 Desde 2011, a realidade caminhava assim até que em 20 de setembro de 2019, a MP 880 foi convertida na Lei 13.874 criando a chamada sociedade limitada unipessoal. Por esta lei alterou-se o regime existente no Brasil desde 1919, possibilitando-se a criação de uma sociedade limitada composta de apenas um membro. Outrossim, a partir de então, não se exige mais a pré-fixação de um capital social mínimo estimado.

 Tal inovação certamente fará com que a EIRELI em breve tempo caia em completo desuso, uma vez que a sociedade limitada unipessoal só tem vantagens em relação à EIRELI, posto não haver mais a exigência de valor mínimo de capital social.

 

Crítica ao termo “sociedade unipessoal”

Se formos ao dicionário veremos a definição de sociedade, nos seguintes termos[1]: Reunião de homens e/ou animais que vivem em grupos organizados; corpo social. Ora, é de cunho léxico, antes de técnico jurídico que toda sociedade deve ter, no mínimo, uma dualidade de pessoas. Daí decorre que o termo sociedade limitada unipessoal contém mais do que uma imprecisão de ordem técnica, senão uma confusão de ordem léxico-tautológica.

 Em nosso sentir, não havia razão para a criação de uma sociedade de um homem só. É algo sem nexo e tão fictício como o capitão Birobidjan – uma espécie de Dom Quixote tropical - da obra de Moacyr Sciliar[2] que inspirou o gaúcho Humberto Gessinger a compor os versos da canção com o mesmo nome do livro.

 Querendo segregar a responsabilidade pela atividade empresária do patrimônio pessoal do empresário, mais sábio teria sido o legislador se simplesmente tivesse revogado o valor mínimo de capital social, insculpido no art. 980-A do Código Civil e exigido para a criação da EIRELI. Manteríamo-nos, pelo menos, a salvo desse atentado à lógica

 No mais, estaria ainda viva a EIRELI que é uma empresa e não uma “sociedade unipessoal”. Não precisaríamos criar um novo instituto para matar de morte matada, como diria Gilberto Gil[3], a tão ainda jovem EIRELI.


[1] https://www.dicio.com.br/sociedade/

[2] O Exercito de um homem só – 1973

[3] “Aí nesse instante sim, sentirei quem sabe um choque, um piripaque, um  baque, um calafrio ou um toque. Coisas naturais da vida. Como comer, caminhar. Morrer de morte matada. Morrer de morte morrida. Quem sabe eu sinta saudade. Como em qualquer despedida

Não tenho medo da morte, Álbum: Banda Larga Cordel - 2008.

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